O Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores organizações criminosas do Brasil, está instalado em Portugal desde, pelo menos, antes da pandemia de covid-19, e tem vindo a expandir discretamente a sua presença através de redes de tráfico de droga, branqueamento de capitais e corrupção em setores estratégicos. A realidade, embora conhecida pelas autoridades, ganhou novo relevo após recentes operações da Polícia Judiciária e denúncias sobre ameaças a inspetores da Autoridade Tributária (AT). A informação foi avançada pela CNN Portugal, que entrevistou Nuno Barroso, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira (APIT).
Segundo Nuno Barroso, o PCC deve ser encarado como “uma multinacional do crime”. Ao contrário de grupos amadores ou desorganizados, o PCC opera com métodos empresariais, possuindo estruturas próprias para áreas como finanças, importação/exportação e transporte. “Têm um conselho de administração, especialistas em várias áreas, e entram nos mercados com estratégias muito bem definidas”, explicou o dirigente sindical à CNN Portugal. A infiltração do grupo em Portugal começou com a aquisição de empresas legais, algumas já estabelecidas, outras em dificuldades, permitindo-lhes criar uma rede complexa de negócios para facilitar o branqueamento de capitais.
A sua expansão no território nacional terá ganho impulso em 2021, com o início de colaborações com gangues locais, principalmente ligados ao tráfico de droga. Esta aproximação permitiu-lhes ganhar influência em bairros considerados problemáticos e estabelecer rotas de distribuição. O tráfico de droga continua a ser a principal fonte de rendimento do PCC, que utiliza empresas legais como fachada para operações ilícitas. “Eles não se impõem com violência logo à chegada. Primeiro criam uma imagem de empresários e só depois expandem os negócios paralelos”, referiu Nuno Barroso.
A Polícia Judiciária tem vindo a realizar operações que confirmam a presença do grupo no país. Um dos casos mais mediáticos foi a detenção, no Montijo, de Gabriel Martinez Souza, um brasileiro de 38 anos identificado como alto emissário do PCC em Portugal. Outra operação visou redes de corrupção nos principais portos marítimos nacionais, onde funcionários das alfândegas terão colaborado com o grupo para facilitar a entrada de droga no país.
Além da atividade criminosa, cresce a preocupação com a segurança dos inspetores tributários que trabalham nestas investigações. “Já há colegas da AT que foram ameaçados. E, mais grave ainda, há ameaças dirigidas às suas famílias – cônjuges, filhos”, denunciou Barroso. Segundo este responsável, estas ameaças incluem informações pessoais sensíveis, cuja proveniência levanta sérias dúvidas sobre a proteção de dados dos profissionais do Estado. Ainda assim, sublinha, os inspetores da AT continuam a trabalhar muitas vezes sozinhos e com recursos escassos. “Somos os únicos inspetores do Estado que não têm suplemento de risco ou missão. E muitos usam o próprio carro para trabalhar, o que os expõe ainda mais.”
A atuação do PCC não se limita a Portugal. A organização está já presente noutros países europeus, como Espanha e Itália, e em zonas do Norte de África, utilizando Portugal como porta de entrada para o continente. A sua ação inclui também a utilização de novas formas de pagamento, como criptomoedas e NFTs, tornando o rastreamento dos fluxos financeiros mais difícil. “É possível rastrear, mas é muito mais demorado e complexo do que congelar uma conta bancária tradicional”, acrescentou Barroso.
Apesar do perigo crescente, o sindicalista lamenta a desvalorização da componente criminal e investigativa na missão da AT. “Temos um terço dos inspetores especializados em investigação criminal. Se dobrássemos esse número e criássemos equipas para lidar com criptoativos, por exemplo, os resultados seriam imediatos ou no médio prazo”, defendeu. A resposta eficaz ao crime organizado, afirma, exige uma abordagem multidisciplinar que envolva a Inspeção Tributária, Segurança Social, Inspeção do Trabalho e, claro, as forças policiais. “Só assim será possível combater de forma eficaz estas redes altamente sofisticadas.”
Para além do PCC, há outros grupos estrangeiros em atividade no país. “Temos máfias da Europa de Leste, grupos da América do Sul… todos altamente organizados, com fraude fiscal qualificada de muitos milhões de euros. A droga está quase sempre presente”, concluiu o presidente da APIT, num alerta para uma ameaça silenciosa, mas crescente, ao Estado português.
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